quarta-feira, 29 de março de 2017

[Album Review] The Dark Side of the Moon

Lançado em março de 1973, The Dark Side of the Moon, da banda britânica Pink Floyd, é um dos álbuns mais importantes da história da música. Temas como o consumismo, a loucura, o tempo e a morte compõem o conceito dessa obra-prima do rock progressivo. O disco é um "processo" de imersão do ouvinte numa dimensão que tenta sintetizar a complexidade humana, seus vícios e excentricidades. A icônica capa, criada pelo designer Storm Thorgerson, que traz um prisma atravessado por um feixe de luz, simboliza esse processo.


No estudo de óptica, o prisma serve para "decompor" raios luminosos. Essa definição física e o conceito do álbum convergem em sentido quando compreendemos o efeito estético proposto: a decomposição do caráter. A arte da capa representa, assim, a subjetivação daquilo que está escondido sob a camada mais aparente das relações do homem com "o outro" – e consigo.

Essa decomposição (e dissecação) do caráter se manifesta através da poética que fundamenta as letras compostas pelo grupo inglês. Em Breath, por exemplo, a rotina do "homem comum", alienante na medida em que desconsidera as individualidades em favor de uma coletividade uniformizada, cujo objetivo comum é sufocado diariamente pela fugacidade do tempo e liquidez daquilo que se almeja, aparece como denúncia ao mecanicismo instaurado pela modernidade.  O homem é, então, animalizado, destituído de sua capacidade de agir conscientemente, enquanto caminha lentamente rumo ao vazio.

Run, rabbit, run
Dig that hole, forget the sun
And when at last the work is done
Don't sit down
It's time to dig another one

For long you live and high you fly
But only if you ride the tide
And balanced on your biggest wave
You race towards an early grave


A temática do tempo é retomada em Time. Desta vez, dialogando com a concepção de movimento e mudança da filosofia heraclítica de que "ninguém entra num mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as águas já serão outras". Embora na canção o elemento da natureza – indicador da dinamicidade irretroativa do tempo – seja concebido como imutável ("The sun is the same") – visto que a trajetória da terra em torno do sol representa uma constante para a contagem dos dias – essa imutabilidade é relativizada ("in a relative way") – pois,  a natureza é subjetivamente percebida e experienciada pelo homem, que passa a compreender a morte como uma questão de tempo.

The sun is the same in a relative way, but you're older
Shorter of breath and one day closer to death

A morte, que em Time é concebida como consequência da passagem do tempo, é retomada em The Great Gig in the Sky, faixa instrumental composta por Richard Wright famosa pelos vocais arrepiantes de Clare Torry. Segundo relatos, Roger Waters teria sugerido a Clare que ela improvisasse pensando na morte; três takes depois teríamos aquele que é um dos momentos mais belos do álbum.


A ideia da racionalidade alienante da contemporaneidade é recuperada em Money; desta vez, reforçada pelo dura crítica ao consumismo. Os versos chamam atenção pelo modo como é tratada a busca do homem pelo sucesso financeiro, capaz de representar a motivação única da vida moderna.

Get a good job with more pay and you're okay


O dinheiro ocupa, assim, um espaço central não só na cultura de consumo apregoada pelo capitalismo, como também na constituição dos caráteres, sobrepondo-se às noções de ética e de moral.

Money, it's a hit
Don't give me that do goody good bullshit

A poética que baseia a primeira parte do disco está fundamentada no tom irônico utilizado para manifestar a desconstrução das identidades e a instauração de uma lógica racional-materialista. Em Us and Them, diferentemente, o sujeito-lírico é consciente da condição estéril da humanidade.

And after all we're only ordinary men

A partir desse insight, a percepção crítica da realidade começa a causar perturbações no homem, crivado pelos dilemas trazidos pela modernidade: o avanço tecnológico, as relações de mercado, as guerras, a esquizofrenia decorrente da consolidação do poder oficial e seus meios de manipulação das massas.

The lunatic is on the grass
Remembering games and daisy chains and laughs
Got to keep the loonies on the path

The lunatic is in the hall
The lunatics are in my hall
The paper holds their folded faces to the floor
And every day the paper boy brings more

O ideal do senso comum é, então, subvertido, deixando se revelarem os vícios de um mundo baseado na superficialidade das aparências. As imperfeições do homem e sua efemeridade são postas à mostra, analisadas por um viés (prisma) inalienante, uma olhar lúcido capaz de enxergar os desvios de caráter, as mazelas, o lado ruim das pessoas, capaz de ver "o lado escuro da lua".

And everything under the sun is in tunn
But the sun is eclipsed by the moon


Willy Nascimento Silva

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