sexta-feira, 7 de julho de 2017

''Ray'', de Taylor Hackford


Ray (2004) é sem dúvidas um dos melhores filmes biográficos da história do cinema. O roteiro incrivelmente bem construído descreve a história de superação de Ray Charles, desde sua infância traumática até a fama. Dirigido por Taylor Hackford (Advogado do Diabo, 1997), o filme é um mergulho profundo na obra d’O gênio, passando por episódios marcantes de sua vida, como a morte prematura do seu irmão mais novo, a perda da visão, a dependência de drogas e os problemas conjugais. O ponto de convergência desse universo criativo é a brilhante atuação de Jamie Foxx, responsável por criar uma zona de interpretação em que ator e personagem se misturam.

De origem pobre, Ray foi uma criança marcada pela desigualdade social e pelo racismo, denunciados no filme de Hackford através do ambiente em que está inserida a família Robinson. Numa manhã em que brincava com seu irmão mais novo, o pequeno Ray  presencia seu afogamento numa bacia de água, fato que vai perturbá-lo por vários anos. A cena do velório de George é uma das mais comoventes do filme, com destaque para a emocionante interpretação de Sharon Warren como Aretha Robinson, mãe de Ray.


Além de ter experienciado a morte precocemente, Ray enfrenta um grave problema de glaucoma, que o leva a cegueira total aos sete anos de idade, fato retratado de maneira dura e tristemente bela. A falta de visão, entretanto, não o impediu de continuar suas aulas de piano. Temos nessa sequência a revelação da virtuosa sensibilidade auditiva daquele que viria a se tornar um dos maiores representantes da música negra norte-americana.


Ainda jovem (segundo sua biografia, aos quinze anos) Ray perde sua mãe e inicia sua carreira tocando no Chitlin’ Circuit durante um ano. Já viciado em heroína, consegue um contrato com a Atlantic Records, onde grava Mess Around, canção em que deixa suas influências de lado e  manifesta sua autenticidade enquanto músico e intérprete.



Ray Charles, contudo, só consegue ser reconhecido pelo grande público quando compõe I’ve Got a Woman. A mistura de blues e gospel recebe inúmeras críticas positivas – embora parte da comunidade religiosa tenha se insurgido contra essa irreverente ideia – e marca o nascimento de um novo gênero: o soul.


A questão do negro e do racismo é trabalhada de maneira perspicaz pelo diretor. No filme, ficam claras as posições de poder ocupadas pelos brancos, seja na direção de grandes gravadoras ou exercendo a força policial. A cena de maior engajamento acerca do assunto é a que narra o episódio ocorrido na Geórgia, em 1961. Ray cancela uma apresentação em sua terra natal devido à política segregacionista do estado, que dividia a plateia entre negros e brancos. Em represália, a Geórgia o proíbe de tocar novamente em seu território.


Após endossar a luta em favor da igualdade dos direitos civis, Ray conquistou ainda mais o público negro (e branco também). O sucesso mundial fez com que seu nome permanecesse por várias semanas no topo das mais tocadas no rádio. Contudo, junto ao reconhecimento de seu talento, crescia seu envolvimento com as drogas.


Essa é uma das cenas mais belas do filme. É o momento de redenção de Ray. Mergulhado em sua própria agonia, o músico passeia pelos caminhos que percorreu enquanto construía sua história. Os fantasmas do vício e da culpa são afastados num ato de libertação que eleva sua consciência, antes presa às adversidades de uma vida conflituosa.

Depois de passar por um doloroso processo de reabilitação, Ray Charles retoma sua carreira e mostra ao mundo que a qualidade de sua música resiste ao tempo e atravessa barreiras.

Sobre o incidente na Geórgia, quase trinta anos depois, em março de 1979, Georgia On My Mind, famosa pela interpretação de Ray, tornou-se a canção oficial do estado, que pediu desculpas publicamente ao gênio da música – situação descrita na cena final do longa.

Ray é, enfim, um filme de luta (pela sobrevivência e pela expressão artística), recheado de cenas marcantes e atuações fortes. Vale a pena assistir! Ray Charles é #MúsicaNasOiça.

Willy Nascimento Silva

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