Don Cheadle, que dirige e interpreta o papel principal nessa biografia de ficção, criou uma história incrível em torno do desaparecimento de gravações originais do mestre do trompete Miles Davis. Os acontecimentos do filme se dão no início dos anos 70, mais precisamente em 1974, quando o precursor do Jazz Fusion (ou Social Music, como o próprio Miles costumava chamar sua música), após anos de ostracismo, tem seu retorno aos estúdios adiado pelo roubo do material em vinil que continha gravações com as bases para seu próximo disco. Dependente de drogas e sentimentalmente instável pelo término de seu casamento com a bailarina Frances Taylor (Emayatzy Corinealdi), o músico tem uma personalidade forte e comportamento intransigente. O enredo do filme é projetado através do trompete de Miles, que conta este excerto de sua vida como num improviso, com espontaneidade e atitude. Não podemos interpretar cada cena de Miles Ahead como um documento. No filme, biografia e ficção se misturam para criar um espaço rico de nuances de significado próprias da música – noutras palavras, Cheadle subverte em imagem a Social Music de Davis.
Um tema bastante presente no filme é a crítica ao mercado fonológico, e à mídia de modo geral, que não fica apenas no fato de um produtor oportunista ter roubado as gravações do compositor para lançá-las em nome de outro artista. Uma personagem fundamental para entender as relações entre artista, gravadora, mídia e público é a do jornalista Dave Braden (Ewan McGregor). Identificando-se como escritor da revista Rolling Stone, Braden invade o isolamento do Miles, sem demonstrar caráter ou empatia pela condição psicológica do músico. O que importa para o jornalista é poder assinar a matéria sobre o retorno da "lenda do jazz". Entretanto, Braden acaba ajudando o trompetista a recuperar seu disco. Cheio de drogas, tiros e palavrões – e, logicamente, muita música – o longa não justifica o título escolhido no Brasil: A Vida de Miles Davis. Embora remonte a um período vivido pelo músico e compositor, essa não é (de forma alguma) a "vida" de Miles Davis; seja por resumi-la a um recorte reduzido, seja por desconsiderar o caráter ficcional da criação de Cheadle. Miles Ahead é, assim, uma composição cinematográfica que joga com a substancialidade e dinâmica da vida e obra de Miles Davis. É um filme para quem é louco por cinema e adora #MúsicaNasOiça.
Willy Nascimento Silva
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